Embora haja debates a respeito das obras que inspiraram o clássico da Disney, seja a peça “Hamlet” de William Shakespeare ou o desenho japonês “Kimba, o Leão Branco, ou até mesmo menções a estruturas literárias como a jornada do herói, há uma visão menos mencionada que propõe uma conexão surpreendente: “O Rei Leão” e a história do Cristianismo.

Vamos explorar a narrativa do filme, figuras e enredos à luz da história bíblica.

Nota: Na tipologia, os tipos não são cópias exatas, mas remetem em determinados momentos e em certas maneiras a uma outra figura.

Ato I

Naaaaaaaants ingonyama bagithi Baba

Quem nunca cantou sem ter a menor idéia do que estava dizendo?
Mas a letra em Zulu da música Circle of Life (Ciclo sem Fim), as primeiras palavras do filme dizem o seguinte:

Aí vem um leão, Pai
Oh sim, é um leão
Nós vamos adorá-lo

O Rei, Pai

Mufasa, é a representação do rei que governa com sabedoria e justiça. A figura do rei e do senhor, é um tipo para representar Deus, assim como é a figura do leão. Isso acontece até mesmo em parábolas na própria Bíblia. Mufasa é visto na posição mais elevada de todas, acima dos outros personagens.
Além de justo, o rei, o leão é visto como pai. O pai do céu, Deus bondoso. Mufasa é não apenas pai de Simba, mas pai de todos, figurativamente.

A Criação e o Ciclo da Vida

Mufasa é o primeiro personagem a ser visto em posição de protagonismo no filme. Da mesma forma, Deus é o primeiro protagonista na narrativa bíblica, no relato da criação.
A bela sequência inicial do filme, narra musicalmente o ciclo da vida apresenta a obra da criação, céu, água, seres no ar, seres na terra, tudo em equilíbrio. Da mesma forma, o Gênesis apresenta um processo harmonioso e ordenado da criação dos ambientes e de seus habitantes.

No princípio Deus: As primeiras palavras do relato da Criação vão ditar a narrativa do ponto de vista do criador.

Desde o dia em que ao mundo chegamos: A música o Ciclo sem Fim também começa o relato desde o princípio, porém do ponto de vista da criatura.

Imagem e Semelhança

A criação representada no filme, assim como a criação relatada em Gênesis, termina em seu “ápice”: a criação da imagem e da semelhança do Rei, de Deus.
No Gênesis isso é a figura dos seres humanos, feitos à imagem e semelhança de Deus, para serem literalmente representações de Deus para a Terra.
No Rei Leão, isso acontece com o nascimento – ou a criação – de Simba, o filho de Mufasa que, obviamente se parece com seu pai fisicamente.
Tanto na Bíblia quanto no Rei Leão há uma grande expectativa em torno de tal evento. Os humanos carregam em si o gigantesco potencial de representarem Deus e agirem como tal, assim como a expectativas sobre Simba quanto a ser filho do Rei e agir como tal.

Presente e Mandamento

Deus coloca o homem e a mulher no jardim do Eden e diz a eles que todas as frutas e toda as plantas lhes pertencem para comerem, exceto a fruta de uma árvore – dela eles não poderiam comer.
Mufasa mostra a Simba o reino e diz a ele que tudo o que ele pode ver, tudo que o sol toca lhe pertence, exceto uma pequena faixa nas sombras – lá Simba não poderia ir.

A Serpente, o Tentador

Scar, é introduzido como um leão que vie nas sombras, escondido mas, por algum motivo, dentro do reino de Mufasa. No Gênesis vemos a figura de uma serpente aparentemente malígna que, por motivos desconhecidos, estava dentro do jardim do Eden.
A Serpente do Eden é revelada na Bíblia como o próprio Satanás, o tentador, um anjo caído e mentiroso que busca desviar os homens para o caminho das trevas para que morram. Scar tenta e atiça Simba propositalmente a desobedecer Mufasa porque planeja a morte de Simba.

A Desobediência, Pecado

Assim como o homem desde o jardim e até os dias de hoje, Simba cai na tentação e desobedece o mandamento de seu pai.
Assim como Eva levou consigo em seu pecado Adão, seu marido, Simba leva consigo Nala.

Resgate e Perdão

Embora tenha desobedecido, Simba é resgatado por Mufasa. Mufasa se decepciona com Simba e, por isso, o disciplina mas, logo em seguida reafirma seu amor por seu filho. Após o primeiro pecado humano no Eden, Deus disciplina Adão e Eva, porém demonstra seu amor e perdão em seguida, como em outras histórias bíblicas, por exemplo com Caim, mas até como é descrito nos dias de Cristo e até hoje.

Ato II

A Vinda do Messias e a nova Religião

Na história cristã, como solução definitiva para o pecado, Deus anuncia a vinda do Messias, o próprio Deus encarnado.
Mufasa agora passa a representar o Deus encarnado, Jesus. Nas palavras do próprio Scar “Mufasa desceu das alturas para se misturar com o povo.“
Em seu momento de amor paternal com seu filho, Mufasa anuncia que um dia haveria de morrer, mas explica para Simba o significado disso:
Ele morreria, mas ele permaneceria presente e vivo na vida de Simba, portanto, Simba deveria sempre se lembrar disso.

Em semelhante cenário, Jesus, o Messias, Deus encarnado, em seu momento com seus discípulos amados, anunciou que haveria de morrer. Ele também explicou que morreria, mas continuaria vivo, ressurreto, e que seus discípulos deveria se lembrar disso.

O Sacrifício e o Madeiro

A inimizade entre o homem e a serpente continua depois do jardim do Eden e os seres humanos não se cansam de desobedecer e cair em tentações.
Como solução, para que a morte deixasse de alcançar os homens, Jesus paga o preço pelo pecado dos homens ao se sacrificar na cruz, no madeiro, por vezes descrita como literalmente árvore.
Para que Simba, que estava preso a uma madeira, uma árvore, não morresse em meio à debandada, Mufasa se lança para salvá-lo mas acaba morrendo.

Descrença e Fuga

Ao ver Mufasa morto, Simba se desespera e se esquece daquilo que seu pai o havia ensinado. Tentado novamente por Scar, o filho do rei foge e decide deixar tudo para trás.
Similarmente, ao verem que Cristo estava morto, seus discípulos se prostraram e alguns como notoriamente Pedro, deixaram tudo para trás e se esqueceram do que Jesus lhes havia dito.
O Tentador, Scar, planta na cabeça de Simba a idéia de que não haveria redenção para ele, e que ele não seria digno de ser aceito pela família de Mufasa após o ocorrido. O mesmo se passa com Pedro, que deixa de se considerar um discípulo depois de haver negado a Cristo.

Assim também acontece com muitos cristãos que fogem de sua fé ao se depararem com situações difíceis ou ao se sentirem, falsamente, inaptos à redenção.

Amigos Mundanos e a Fé Escondida

Timão e Pumba são companheiros de Simba que, com boas intenções, desviam-no de seus verdadeiros caminhos. Representando influências mundanas, e ensinam a filosofia do “Hakuna Matata”, querendo que Simba esqueça seu passado e viva de maneira simplista, ao invés de encarar o passado e assumir responsabilidades.

Na famosa cena onde os amigos compartilham suas “crenças” em relação ao que são as estrelas, cada um diz o que pensa, no entanto consideram absurdo a fé de Simba, de que seu pai estaria o observando desde o céu. Simba se sente mal e confuso ao ver sua fé sendo ridicularizada por seus amigos e por ele mesmo.

O curioso é que Simba não aparenta encontrar nas crenças de seus amigos uma argumentação mais racional ou convincente, mas o que o faz questionar sua própria fé são na verdade suas emoções.

Amigos, por mais genuínos que sejam, muitas vezes afastam cristãos de sua fé.

Chegará um momento em que ou haverá más notícias, ou ele (o jovem na fé) estará em apuros, ou estará vivendo em meio a um monte de pessoas que não creem nisso e todas suas emoções se levantarão de uma vez e executarão um bombardeio contra sua fé.
– C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples

O Confronto com a Realidade

Simba, o cristão desviado, encontra Nala, uma antiga companheira de fé. Nala confronta Simba por ele haver se esquecido completamente de quem era e do propósito de sua vida – seguir os passos de seu pai. Ao invés disso, Simba prefere a vida sem preocupações e sem relevância.
Nala apenas confronta Simba com a verdade, funcionando como profeta. Todavia, o profeta não tem honra dentro de casa, e Simba só foi realmente aceitar o confronto e ouvir a verdade quando essa lhe foi apresentada por Rafiki.

O sábio babuíno, atua como uma figura profética de nível espiritual avançado. Rafiki tem intimidade com Mufasa, e é quem desperta Simba para a verdade, mostrando-lhe que Mufasa ainda está presente, vivo -como havia prometido – dentro dele.

He Lives in You – Imagem e Semelhança (parte 2)

A canção “He Lives in You” foi originalmente composta para o álbum musical de O Rei Leão, e incluída na produção da Broadway e no filme O Rei Leão II (1998). Infelizmente a tradução para o português não faz jus à letra original que, sem mencionar nomes, refere a um ser (Mufasa/Deus) que está presente em toda a natureza e inclusive no reflexo do ouvinte (Simba, ou eu, ou você).
A Bíblia relata diversas vezes como a natureza, bem como a vida humana, declara a existência de Deus.

A letra representa o momento em que Simba, ao ver seu reflexo, viu a imagem do próprio Mufasa, descobrindo que seu pai, o rei, estava vivo dentro dele e ainda se comunicava com ele.

Ato III

Conversão: Retorno à Fé e Recomeço

Simba aceita suas falhas do passado e decide encará-las após sábio conselho de Rafiki: “O passado pode doer, mas você pode, ou fugir ou, aprender com ele.”

“Lembre-se de quem você é e assuma sua posição.” – A frase dita por Mufasa a Simba, convida o jovem a voltar às suas origens e convicções. É um convite difícil, pois exige movimento, ação imediata, conversão – mudança completa de percurso, representada nitidamente no filme, ao mostrar Simba correndo da direita para a esquerda (conceito visual ocidental de retorno).

Confissão de Pecados e Juízo Final

Ao regressar ao lar, Simba é bombardeado de acusações por Scar. O filme representa o jovem encurralado e rodeado de um juri de leoas, enquanto seu acusados dispara mentiras contra ele. Uma imagem visual muito próxima do juízo reservado a todos, descrito no livro de Apocalipse.

Não obstante, Simba deve confessar seus pecados passados e dizer a verdade para se justificar e ser aceito como filho do rei. Deixando para trás as acusações do tentador, o acusador, identificado na Bíblia como Satanás, o cristão se agarra ao perdão e misericórdia de Deus, ganhando forças para assumir seu papel.

O Fogo Reservado para o Acusador

A grande verdade então vem à tona de que Scar planejou a morte de Mufasa. Como no filme “A Paixão de Cristo” o Diabo acompanha cada passo de tortura que Jesus foi submetido e celebra inicialmente sua morte. Porém com a ressurreição de Cristo, o Diabo de ira pois Jesus venceu a morte.
De igual maneira, Scar pensa ter um reino inabalável, uma vez que em sua cabeça Mufasa está morto. Mas ele não esperava que Mufasa, simbolicamente, estaria vivo e presente dentro de Simba – não fosse tal verdade, Scar nunca perderia seu reino.

Ao fim do julgamento, fogo. Após a luta entre Simba e Scar, o governante iníquo e acusador é lançado no fogo e apenas vemos sua silhueta sendo consumida.

Rugido de Vitória e Conclusão

Na que, para mim, é a cena mais emocionante do filme, o jovem Simba ainda espantado por tudo o que aconteceu, se vê de frente para a Pedra do Reino e, a curtos e hesitantes passos, se move até sua posição predestinada de rei.

Em última instância, a mensagem principal é a de lembrar quem somos e viver de acordo com o propósito de nossas vidas. Nunca é tarde demais para voltar aos valores sobre os quais fomos ensinados.

Se você se identificou com Simba, como Mufasa diria, “lembre-se de quem você é”. Você pode ser maior e melhor do que a vida que está atualmente vivendo, e assumir sua posição de rei!

“Se perseveramos, com ele também reinaremos.” 2 Timóteo 2:12

“Ao vencedor darei o direito de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também venci e sentei-me com meu Pai em seu trono.” Apocalipse 3:21